É um pouco antiga (de outubro), mas gostei muito desse artigo do Marcelo Coelho, meu colunista preferido da Folha (depois do Macaco Simão, é claro!):
No começo, achei que a Folha tinha sido um bocado injusta com o governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ), destacando uma frase especialmente ruim de um discurso em que muita coisa importante e verdadeira foi dita.
Dizer que a favela da Rocinha é uma “fábrica de criminosos”, sem dúvida vai custar caro ao governador, e tem implicações ideológicas e políticas bem mais sérias do que o célebre “relaxa e goza” de Marta Suplicy, que tantas críticas lhe valeu.
A frase, afinal, foi destacada impiedosamente de um contexto em que Sérgio Cabral defendia o direito ao aborto, tese que é preciso ter coragem para colocar em pauta. Talvez, pensei ao ler a matéria, valesse a pena destacar o que havia de mais substantivo no que ele falou, em vez de fazer um grande barulho na manchete com um lapso político que, certamente, Cabral não haveria de subscrever em sã consciência.
Mas depois, pensando melhor, acho que a primeira página da Folha estava certa em destacar a pérola de preconceito enunciada por Sérgio Cabral. Ele deblaterava contra a taxa de fecundidade na Rocinha, comparando-a à situação de países africanos como Gabão e Zâmbia. A própria reportagem revelou a dose cavalar de ignorância dessa comparação. Nesses países a taxa está entre 5 e 6 filhos por mulher, enquanto nas favelas do Rio é de 2,6. Alta, mas só é alarmantemente “africana” para quem não gosta de ver negros pobres nascendo por perto, e já prevê que serão criminosos.
No fundo, Cabral expressa uma mentalidade generalizada, a de que a pobreza só vai acabar quando a sociedade der cabo dos pobres que ainda resistem. E, se bandido bom é bandido morto, melhor o bandido que nem nasceu.
Esta a grande novidade política, aliás, do discurso do governador. Pela primeira vez, a bandeira do aborto é encampada por um pensamento de direita. Deixam-se de lado os argumentos clássicos em favor do direito das mulheres a engravidar, em favor de condições mínimas de saúde e segurança numa prática hoje entregue a clínicas clandestinas ou a improvisos selvagens de mulheres desesperadas. Isso tudo, hoje em dia, passa por ser esquerdismo fora de moda, como criticar chacinas policiais e tortura institucionalizada. Mas o argumento de que o aborto vai diminuir as taxas de criminalidade –coisa que a polícia do Rio não tem conseguido fazer, pelas razões que se conhecem—é incomparavelmente mais atraente no país do capitão Nascimento.
Está em curso, aliás, um verdadeiro campeonato para ver quem é mais durão, quem é mais macho nessa questão de combate ao crime organizado. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, depois de agarrar sucuris a unha e vestir farda camuflada, saiu-se com uma declaração e tanto, depois da última leva de execuções policiais no Rio. “As ações que o governador está implementando são corretas. Não há mais que se falar naquela postura meditativa e acadêmica do tratamento do crime organizado. Tem que ir para o confronto. E o governador está correto. A leniência e o afastamento do enfrentamento do problema levou à situação em que o Rio se encontra.”
Acho, claro, que toda dureza é pouca no combate ao crime organizado. Mas não sei a que tipo de “leniência” e “postura meditativa” está se referindo o ministro da Defesa. Em 2003, a polícia do Rio matou 1195 pessoas, das quais 65% tinham sinais de execução. Em 2004, o número baixou para 984. Em 2005, subiu para 1087, e só no primeiro semestre de 2006 houve 1063 mortes.
O curioso é que muita gente acha que isso é necessário, e ao mesmo tempo se escandaliza com a intervenção de George Bush no Iraque. Minha sugestão é nomear Nelson Jobim secretário de Defesa nos Estados Unidos, onde pelo menos as armas do exército são melhores que a dos inimigos.
segunda-feira, novembro 26, 2007
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